Gôndolas exclusivas, merenda sem açúcar, aparelhos gratuitos: leis aprovadas na Assembleia garantem direitos aos diabéticos

Os esforços da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) na promoção de direitos para a população paranaense que convive com diabetes resultaram em mais de 15 leis hoje em vigor, criadas a partir da iniciativa de deputados e deputadas estaduais. Além disso, cinco instituições da sociedade civil distribuídas pelo Estado, e que atuam pelos diabéticos, foram agraciadas com Título de Utilidade Pública – o que as habilita a receber repasses do Executivo para exercer suas atividades.

Esta quinta-feira, 26 de junho, é Dia Nacional do Diabetes, dedicado para a conscientização sobre a síndrome. Em todo o Paraná, a taxa de diagnósticos de pessoas com mais de 18 anos convivendo com a doença passou de 5,8%, em 2013, para 7,7% dos moradores paranaenses em 2019 – data das duas últimas edições da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), que levantou o dado. Em torno de 881 mil paranaenses adultos têm diagnóstico da doença. “Essa elevação é um elogio a saúde pública do Paraná que está diagnosticando mais”, explica o administrador de empresas Nivaldo Assumpção, vice-presidente Associação

Paranaense do Diabético (APD). “Nas pesquisas fechadas, o total sempre ultrapassa os 10%. Estima-se que cerca de 1,2 milhão de pessoas tenham diabetes no Paraná”. O número leva em conta também a estimativa de pacientes que convivem com a síndrome, mas ainda não têm diagnóstico.
Somente em Curitiba, 140.442 mil pessoas de todas as idades conviviam com diabetes em 2023, segundo dados do Observatório da Segurança Pública. O número representa 9,8% da população curitibana – cerca de 1 a cada 10 moradores. É a oitava capital brasileira com maior percentual de casos registrados.

Distribuição de aparelhos e prioridade em exames

Somente nos últimos seis meses, duas iniciativas da Alep destinadas aos diabéticos foram sancionadas pelo governador Ratinho Júnior (PSD). A primeira, de número 22.331/2024 e sancionada em dezembro, prevê a distribuição de aparelhos que medem a glicemia para crianças e adolescentes de 4 a 17 anos em situação de vulnerabilidade econômica. O projeto de lei foi assinado pelos deputados Luiz Claudio Romanelli (PSD), Tercilio Turini (MDB), Tito Barichello (União), Luciana Rafagnin (PT), Marcia Huçulak (PSD) e Arilson Chiorato (PT).

A lei tramitou na Alep a partir do fim de 2023, sendo discutida em duas audiências públicas. O benefício é restrito a famílias em condição de vulnerabilidade social, que não podem arcar com os custos do equipamento, que costuma ser comercializado pelas farmácias com valores em média de R$ 300. O dispositivo fica acoplado na pele, realizando medições contínua do nível de glicose presente nos fluídos do corpo. Ele é uma alternativa ao glicosímetro, que exige picadas no dedo e a retirada de uma gota de sangue.

“É fundamental essa lei. Há crianças que se adaptam bem no controle do dedinho, mas há aqueles que possuem diabetes e que não está bem controlada. Eles precisam do sensor”, ressalta Assumpção. “Se o controle é bem feito na infância, evita a manifestação de problemas na fase adulta, como insuficiência renal e problemas na visão”

Conforme a Secretaria Estadual de Saúde do Paraná (Sesa), o governo do Paraná trabalha para regulamentar a lei. Até o fechamento desta reportagem, nenhum equipamento foi distribuído. Um dos desafios para tanto é a decisão do governo federal, publicada em fevereiro deste ano, por não incorporar a tecnologia no Sistema Único de Saúde (SUS).

A pasta acatou um relatório apresentado pelo Ministério da Saúde que aponta que os custos para adquirir os equipamentos “foram considerados muito altos para o SUS, interferindo diretamente na sustentabilidade do sistema”. O Comitê de Produtos e Procedimentos sustenta que os descontos apresentados pela fabricante foram muito baixos. O relatório afirmou que ainda é necessário de explorar outros dispositivos já registrados no país. Um novo processo de avaliação pode ser realizado, destaca decisão.

A Associação Paranaense do Diabético se reuniu no último dia 10 com César Neves, diretor-geral da Sesa, para discutir formas de viabilizar a regulamentação. A entidade e a pasta discutem elaborar um protocolo que torne a lei viável ao orçamento, como a exigência mais rígida de laudos médicos ou a restrição do benefício a crianças de até 12 anos. A discussão segue em aberto.

Uma segunda iniciativa da Assembleia Legislativa do Paraná se tornou lei neste último ano: no fim de abril, o Executivo sancionou o direito de atendimento prioritário para diabético em filas de espera para a realização de exames de diagnóstico que necessitem de jejum prévio – como exames complementares de diagnóstico, de imagem e coletas de sangue. Ele se tornou a lei 22389.

A iniciativa, de autoria da deputada Cloara Pinheiro (PSD), visa evitar que os diabéticos sofram “eventos de hipoglicemia”, quando os níveis de glicose no sangue estão abaixo do normal. Quadros de mal-estar, visão turva, sudorese, fome intensa, taquicardia e alteração do nível de consciência assolam os pacientes nessa condição.  “Quando intensa e duradoura, a hipoglicemia pode provocar crises convulsivas, alterar o nível de consciência e, se o paciente não for atendido em caráter de emergência, causar o óbito”, destaca a parlamentar no texto.

De acordo com a Sesa, a lei 22389 também depende de regulamentação.

Uma década e meia de prateleiras exclusivas

Há 15 anos, os diabéticos têm o direito de encontrar alimentos e bebidas separados em gôndolas exclusivas ao adentrarem supermercados, hipermercados e estabelecimentos similares. Desde 2014, ele é regulamentado, devendo ser respeitado por estabelecimentos que comercializem com mais de cinco caixas registradoras para atendimento dos consumidores. Além disso, os produtos devem ser destacados com a informação de que não contém açúcar. A fiscalização é de competência das equipes de vigilância sanitárias municipais.

De número 16.496, a lei nasceu por autoria do deputado estadual Marcelo Rangel (PSD). Há dois anos, ela foi incorporada ao Código do Consumidor Paranaense. Hoje, as gôndolas concentram também alimentos recomendados para intolerantes à lactose, doença celíaca, vegetarianos e veganos.

O vice-presidente da APD lembra como era estressante a experiência do diabético nos supermercados antes da sanção da lei. “Antigamente era tudo misturado. A pessoa chegava no mercado e as prateleiras tinham açúcar e adoçante juntos”, lembra Assumpção. “Hoje está mais fácil para o diabético encontrar produto zero açúcar. É importante principalmente aos idosos, que têm maior dificuldade em identificar o produto adequado”.

Ao realizar um balanço dessa primeira década desde a regulamentação da lei, a Associação Paranaense de Supermercados (Apras) pontua que a medida é cumprida em todas as lojas associadas à entidade. A lei estimulou a implementação não só de gôndolas específicas, mas a criação de setores inteiros dedicados a produtos voltados a diabéticos, celíacos e pessoas com outras restrições alimentares, afirma a entidade.

No entanto, o cumprimento ainda requer adaptações e coloca desafios aos estabelecimentos: exige a reorganização do layout dos supermercados, treinamentos das equipes e “um controle rigoroso de estoque e validade”. Além disso, a compreensão por parte das repositores dos produtos que devem compor tais prateleiras ainda é desafiadora– um refrigerante zero açúcar pode ser incluído, mas um com redução parcial de açúcar já não se enquadra, por exemplo. “Ainda assim, os benefícios superam os obstáculos, especialmente no que diz respeito à inclusão e ao atendimento qualificado ao consumidor”, conclui.

Parlamento discute testagens em emergências e laudo permanente

Há ainda dois projetos dedicados à população com diabetes tramitam na Assembleia Legislativa do Paraná. O primeiro prevê a inserção de testes de glicemia capilar nos atendimentos de emergência e urgência da rede de saúde e o segundo, se aprovado, tornaria o laudo médico que atesta o diabetes mellitus tipo 1 (DM1) um documento com prazo de validade indeterminado. Ambos são de autoria do deputado estadual Ney Leprevost (União) e se encontram na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Exame tradicional que consiste na coleta de uma pequena gota de sangue na ponta do dedo, o teste de glicemia capilar deve ser incluído no primeiro atendimento de emergência ou urgência para “a identificação imediata de indivíduos com níveis anormais de glicose, possibilitando intervenções rápidas e apropriadas”, justifica Leprevost. “Muitos dos pacientes atendidos nessas situações desconhecem sua condição de diabetes, e a falta desse exame pode levar à administração inadequada de medicamentos, como soluções glicosadas, expondo-os a riscos severos, incluindo coma e até mesmo óbito”, ressalta o parlamentar. O projeto, de número 443/2024, foi protocolado em julho de 2024.

Já o texto que tornaria vitalício o laudo médico de diabetes mellitus tipo 1 (DM1) visa compatibilizar o atestado com a realidade da doença, que não tem cura. A ideia é inspirada em proposta semelhantes apresentadas em outros oito estados brasileiros. Ney cita ainda que há um projeto no Congresso Nacional que classifica a síndrome como deficiência para efeitos legais. “Uma vez obtido o diagnóstico, não persiste mais razão submeter essas pessoas e quem as auxilia a reiteradas dificuldades suscitadas com a renovação do laudo”, afirma Leprevost na justificativa do projeto 754/2023.

Outras leis

A legislação estadual para a população diabética no Paraná deu avanços significativos a partir de 2001. Naquele ano, por meio de duas leis, a Assembleia Legislativa autorizou o Executivo a instituir programa gratuitos para detectar diabetes nos postos de saúde, por meio de exames, e distribuir insulina, antidiabéticos, orais e seringas.
Em 2004, a sanção de um projeto de lei nascido no legislativo definiu diretrizes para a política de prevenção e atenção à saúde da pessoa portadora de diabetes. O texto delimitou ações educativas, preventivas, de diagnóstico, entre outras áreas. No mesmo ano, a oferta de merenda escolar adaptada para alunos portadores de diabetes melito nas escolas estaduais passou a ser obrigatória – uma segunda norma, aprovada em 2007, fortaleceu a obrigação.

No ano seguinte, passou a ser obrigatório o preparo de alimentos em lanchonetes escolares de forma saudável, de modo a prevenir quadros de diabetes, obesidades e hipertensão. Entre outras coisas, o texto proibiu a venda de produtos com alto teor de gorduras e açucares, como balas, pirulitos e refrigerantes, limitando percentuais calóricos, de sódio e gordura. A conscientização nas escolas também foi reforçada pela sanção a campanha Permanente de Prevenção de Diabetes, em 2009.

A Casa de Leis do Paraná também propôs a criação da Semana Estadual de Conscientização, Prevenção e Combate a Diabetes e a Semana Estadual de Nutrição e Alimentação Saudável e Consciente, sancionadas em 2015 e 2016. A Semana Estadual da Conscientização do Descarte Correto do Lixo Gerado no Tratamento do Diabetes e outras doenças, o Dia Estadual de Conscientização, Prevenção e Combate à Retinopatia Diabética e a Semana Estadual de Conscientização sobre as Doenças Crônicas estão no rol de iniciativas sancionadas nos últimos cinco anos.

Cabe destacar que há associações dedicas ao público diabético agraciadas com Título de Utilidade Pública em pelo menos seis municípios paranaenses – Maringá, Londrina, Goioerê, Irati, Sítio Cercado e Foz de Iguaçu.

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